Fui convidado pra escrever um pouco sobre uma paixão paulistana, o Pacaembu, e sobre uma paixão nacional, todo mundo sabe, Futebol. Aconteceu que o Grêmio, meu time, veio lá do Rio Grande do Sul jogar em Sampa contra o Corinthians num sábado nublado e friorento. Sou gaúcho e louco pelo Grêmio. A Dani Krause, que é minha mulher, é paulistana e torce pro Corinthians (torce meio de berço, porque, depois de casada, ela virou gremista com certeza!). E assim partimos de casa, eu cheio de esperança na vitória e ela dividida. Ir a um jogo de futebol sempre exige certo espírito aventureiro. Nunca se sabe bem o que e quem você vai encontrar. Munidos de umas capas de chuva meio ridículas porque têm “Paris” escrito nas costas (foi o que deu pra arrumar), lá fomos nós, com algumas horas de antecedência. Precavido que sou, comprei os ingressos antes pela internet e qual não foi minha surpresa ao sermos informados ao chegar ao estádio que teríamos de enfrentar uma fila de uns 70 metros pra retirar o ingresso, junto com a galera toda que compra ingresso normal. Resignados, só ficamos pensando que a vantagem era nenhuma em pagar a “taxa de conveniência” nas compras pela internet. Porém, depois de uma hora congelando na fila, a moça no guichê nos disse que não precisávamos ter pego a fila e que era só ter ido direto ao guichê. “Ótimo, só nos avisam agora.” E isso que perguntamos a dois “organizadores” de colete amarelo e crachá do Corinthians, se realmente precisávamos pegar aquela fila pra somente retirar os ingressos. Enfim, pegamos os ingressos e saímos fulos da vida. Passamos ao lado da fila, reclamando alto. “Que absurdo! Palhaçada!” – disse a Dani. E eu, indignado, disse: “Pois é, e aqueles carinhas ali de amarelo são do Corinthians. São do Corinthians!”. E a Dani: “Ah, bando de jumentos!”. E, claro, as últimas duas frases, inadvertidamente, saíram em alto e bom som. A Dani não notou, mas percebi os olhares pouco amistosos do pessoal “gente boa” da fila. Caramba, que mancada! Tratei de apressar nossa saída de lá. Passamos pelo final da famosa feira do Pacaembu que rola todos os sábados de manhã e que, inclusive,
é uma boa pedida pra provar o típico pastel da Barraca do Zé (de qualquer sabor é delicioso). É um verdadeiro clássico paulistano. Resolvemos pegar o carro e deixá-lo no Shopping Higienópolis, não muito longe dali, almoçar e depois seguir à pé para o estádio. A Dani é meio cheia de coisa pra comer, então almoçamos num lugar legal de comida natureba chamado Bio Alternativa, na Rua Maranhão em Higienópolis. O buffet tem uns pratos bem dife
rentes e, enquanto eu comia um chique bolinho de polvilho com trigo sarraceno e queijo cottage e bebia suco de abacaxi com hortelã, fiquei pensando: “Pô, o cara atrás de mim na fila, com a camisa da Gaviões, agora provavelmente tá mandando ver um sanduíche de pernil com Ki-suco de laranja na frente do estádio... Que inveja!”. Tomamos o rumo do Pacaembu. Como chegamos cedo, não tivemos problemas pra entrar. Aliás, isso é uma coisa que melhorou bastante. Lembro que há uns 10, 15 anos, comprar ingresso e entrar no estádio era muito pior. Não havia filas organizadas e o tumulto era frequente. Hoje em dia pelo menos tem uma certa organização. Não é uma beleza, mas perto do que era... É claro que, na numerada, onde ficamos, você nunca se senta no número impresso no ingresso (nem sei por que chama numerada), mas faz parte do protocolo. Bom, sentamos mais ou menos no meio da “numerada”, com uma boa visão do gramado e pudemos apreciar como o Pacaembu (que em Tupi-Guarani quer dizer: terras alagadas) é um lugar legal: a construção charmosa, inaugurada so
lenemente em 1940, é uma bela obra arquitetônica ali encravada no vale do bairro, a torcida fica relativamente perto do campo e, em qualquer lugar do estádio, é possível ter uma boa visão do jogo. Ficamos imaginando aquilo com a concha acústica na sua construção original recebendo a Copa de 50! Devia ser ainda mais bonito. Outra coisa muito legal ali e que merece ser visitada é o Museu do Futebol. Já fomos e adoramos. E não são só os apaixonados pela bola que curtem. É um programa que recomendo para toda a família, para saber, de uma forma bem interativa, como é que surgiu esse amor do brasileiro pelo futebol, algo que faz parte definitiva da nossa cultura. Enfim (eu também tenho mania de falar “enfim”), acomodados nos nossos assentos, infiltrados na torcida do Corinthians (porque o lugar era melhor, claro), esperamos pelo início do jogo, observando os vendedores ambulantes (outra diferença em re
lação ao passado: todos eles são regularizados). Há churros de doce de leite, chocolates meio derretidos, pipoca fria, amendoim, refrigerante, água e cerveja sem álcool. E eu me lembrei com saudade de ir criança com meu avô ao estádio lá no Sul... O jogo começou quente, apesar do vento frio. Ronaldo em campo, promessa de espetáculo. Mas justo contra o Grêmio? Sacanagem. Pois foi no segundo toque dele na bola... De fora da área, chute de esquerda, desvio no zagueiro, frango do goleiro e bola na rede: 1 x 0. Droga! A Dani comemorando comedidamente para não me chatear muito e eu disfarçando: “êeee”, fingido ser o que não era pra não passar apuro com a galera corinthiana. Vamo lá! Pouco depois, bola no Ronaldo de novo, tabelinha, passe na esquerda, sem impedimento, cruzamento e... gol do Corinthians: 2 x 0.
Era só a metade do primeiro tempo. Arghhh! A pior parte mesmo era ter de levantar e esboçar uma comemoração, pra não dar bandeira. Depois disso, fiquei mais quieto. A Dani sabe que, quando estou quieto demais, é porque estou bravo. Pô, o cara é gordo, tem o joelho bichado e joga mais que todos os outros 21 jogadores em campo? Minha vontade era de gritar pro técnico paradão do Grêmio fazer alguma coisa. Mas tive de me controlar. Segundo tempo. Ânimo. Se o Grêmio fizesse um golzinho o jogo pelo menos ia voltar a ter um pouco de graça. Dito e feito: cruzamento da direita e gol de cabeça do Grêmio. Putz, apertei forte a mão da Dani do meu lado pra não gritar e engoli o GOOOOOL. O frio e o vento ajudaram, porque eu pude comemorar um pouco encolhido na cadeira e embaixo do capuz do meu moleton. Pronto... Ainda tinha mais meia hora de jogo. Tempo suficiente pra empatar. Uns quinze minutos depois, lance do Grêmio na entrada da área, passe pro meio, atacante no chão, apito do juiz. Não me segurei. Levantei e gritei: “Pênalti!”. A Dani me puxou e, de soslaio, observei as cabeças se virando na minha direção. Olhares indignados. Fui salvo pelo juiz, que tinha apitado “perigo de gol” (ou seja, inventou um impedimento in
existente contra o Grêmio) e, numa reação rápida, mas pouco espontânea, eu disse: “Ufa! Ainda bem que não foi pênalti!”. Soou muito falso, mas os incautos morderam a isca, animados pelo erro do juiz. O jogo seguiu morno até o apito final. 2 x 1, derrota do meu time. Não se pode ganhar sempre... Mas apesar de tudo, valeu muito o passeio. Mesmo porque, para mim, ver futebol no Pacaembu justificaria assistir até XV de Jaú contra Bandeirante de Birigui! (Marcos Krause).